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Desassociação – Quando a intolerância vem de casa

Em geral, as pessoas conhecem grupo religioso Testemunhas de Jeová pelo seu costume de bater às portas dos vizinhos para falar de suas crenças, num intensivo trabalho de proselitismo. A proibição de transfusões de sangue também é bastante mencionada, em especial porque já alcançou o grande público através dos veículos noticiosos.

Há, porém, uma coleção de doutrinas distintivas deste movimento que não são do conhecimento da maioria das pessoas. Algumas delas são bastante perigosas, e merecem nossa atenção, visto que ninguém está livre de ver algum amigo ou membro imediato da família ser introduzido nesta comunidade. Uma das mais importantes é a DESASSOCIAÇÃO.

O ensino das Testemunhas acerca deste procedimento constitui não só uma aberração do cristianismo, numa clara deturpação das Escrituras, como também uma ameaça ao tecido sócio familiar, causando trágicos rompimentos e lares desfeitos, com esmagadoras consequências emocionais para os envolvidos.

Exemplo claro de como a organização induz seus adeptos a pensar encontra-se em A Sentinela (revista oficial da Torre de Vigia), edição de 15 de Julho de 2011 – pág 31. Ali, sair da organização Torre de Vigia é equiparado a “abandonar a Jeová”, o que, por si só, coloca a pessoa sob forte desaprovação dos demais. Daí, o artigo cita o caso hipotético de “um filho único de um casal”, o qual prefere o “usufruto temporário do pecado a uma relação pessoal com Jeová e com seus pais cristãos”. Notem os leitores a gravidade destas palavras, e das consequências por elas ocasionadas. Segundo o artigo, o rapaz é desassociado, e torna-se fundamental responder se os pais devem ou não continuar falando com o filho. Embora o artigo tente parecer “amoroso”, dizendo que “nós nos compadecemos desses pais”, o parágrafo 15 expõe a orientação expressa da organização, a qual se coloca como porta-voz de Deus. Com palavras macias, para não parecerem autoritários ou impositivos, os líderes deixam claro que os pais, por mais que amem seu filho, “não devem desconsiderar o que Jeová (leia-se “organização”) vai achar do que farão”. Pouco antes, no início do parágrafo, a revista pergunta: “O que esses pais queridos vão fazer? Obedecerão às claras orientações de Jeová?” De novo, Jeová e organização são termos intercambiáveis. Estas “orientações” ficam ainda mais explícitas na pergunta seguinte: “Ou será que vão achar que podem se associar regularmente com o filho desassociado e chamar isso de ‘assuntos familiares necessários’”?

Devemos levar em conta que os líderes daquela organização afirmam possuir prerrogativas especiais da parte de Deus, sendo o seu “canal de comunicação exclusivo”. Esta crença, fortemente cristalizada (via técnicas de doutrinação) na mente de cada adepto gera imensurável poder e autoridade, concentrada nas mãos do alto colegiado executivo da Torre de Vigia, o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová. O que estes homens dizem ou escrevem, em caráter oficial, tem força de lei para cada membro ao redor do mundo. Isto simplesmente não pode ser ignorado!

Tanto é assim que praticamente nenhuma TJ comum ousa discordar, muito menos questionar, um ensino oficial que lhe é transmitido. O Corpo Governante exerce um controle intelectual de tal magnitude sobre as testemunhas, que não se refreia sequer de fechar seu argumento, no mesmo parágrafo citado, com a seguinte assertiva: “O objetivo de Deus é manter limpa a organização e, se possível, levar transgressores a cair em si.” Ora, esta declaração é simplesmente absurda, sob qualquer ponto de vista, especialmente para religiosos que abraçam a Bíblia como seu guia. Afinal, Jesus – de quem afirmam ser discípulos – jamais colocou a pessoa humana a reboque de qualquer organização. Segundo consta, ele morreu por indivíduos, não por membros de uma instituição religiosa! A declaração de A Sentinela é mentirosa porque exalta a organização a um patamar que não lhe pertence, nem é legítimo. Ao contrário, Jesus afirmou que “haverá mais alegria no céu por causa de um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam de arrependimento” Lucas 15:7. Simplesmente, não há espaço para uma suposta “pureza organizacional” aqui, e mais ainda com a alegada primazia.

Em geral, a Torre de Vigia (cujos líderes ditam as normas e regulamentos acerca de cada aspecto da vida de seus adeptos) introduz conceitos sectários na mente das pessoas, como já foi dito, por meio de um intensivo programa de doutrinação. Esta visão particular, bastante radical, visa proteger a organização de qualquer pensamento crítico, isolando seus membros de “influências externas”. Assim sendo, quando uma pessoa é desassociada (o que equivale a ser “excomungada”) por meio de um tribunal judicativo interno, ou quando ela opta por sair da religião voluntariamente (o que é conhecido como “dissocia- ção”), inicia-se, instantaneamente, a ostracização da mesma. Os membros (inclusive da própria família, como vimos no exemplo) não mais podem conversar com aquele indivíduo, numa espécie de “apartheid” social altamente cruel e desumano. Já foram relatados diversos casos de suicídio de vítimas deste tratamento, o que torna imperioso que a sociedade em geral conheça a doutrina e suas consequências.

A organização das TJ defende o estranho ponto de vista de que tal ostracismo é, não apenas cristão, como também amoroso, pois visa o “arrependimento” do errante, e o consequente retorno à “organização de Jeová”. Para isto, valem-se da interpretação de alguns textos bíblicos, os quais, tomados isoladamente, sem a análise do contexto em que se inserem, podem dar margem a esta visão radical e intransigente.

O principal deles é o de 1 Cor 5:11-13, em que Paulo insta para que os cristãos não mantenham convivência com pessoas crassamente imorais, tais como gananciosos, injuriadores, extorsores. Fala de pessoas empedernidas, que vivem daquela forma objetável sem sinal de mudança, e que são, portanto, uma má influência. Este conselho foi dado em caráter pessoal, não como imposição de Paulo, sob ameaça de desassociação, nem tinha por objetivo o ostracismo e a morte social. Remover tal indivíduo do convívio com os cristãos significava não convidá-lo para as reuniões de caráter religioso/social, as quais aconteciam em lares de famílias cristãs. Em momento algum ele fala de “desassociação”, como um procedimento organizacional, institucional. Esta palavra se quer aparece em qualquer relato.

No início do cristianismo, os discípulos se reuniam em pequenos núcleos familiares, e amigos, vizinhos ou pessoas próximas eram convidados. Não havia nenhum aparato religioso, nenhum templo especial, muito menos uma “agência reguladora”, com poder centralizado. Não seguiam uma programação de atividades ditadas por líderes, segundo seus escritos particulares. A única autoridade existente era dos apóstolos, homens escolhidos por Cristo, a qual pereceu com eles, a partir do momento em que o cristianismo ganhou impulso. Nem passava pela cabeça daquelas pessoas a ideia de “desassociação”, conforme concebida hoje pela Torre de Vigia, a organização das Testemunhas de Jeová surgida dezenove séculos mais tarde.

Em 2010, após minha saída da organização, produzi uma série de três vídeos em que me propus a analisar cada texto utilizado pelas TJ para, supostamente, dar base à sua doutrina distintiva. Não só a desassociação em si, como também a forma como os ex-integrantes daquela organização são tratados pelos que ficam, foram abordados. Contudo, o que importa realmente, é informar as pessoas acerca do elevado preço a ser pago por todos aqueles que, caindo no engodo da seita, um dia se veem fora dela. Somente a informação honesta pode poupá-las dos dissabores de um ensino espúrio, camuflado de cristão, a despeito de todos os sorrisos simpáticos, tapinhas nas costas e palavras suaves que ouvem no Salão do Reino (o local onde as TJ se reúnem).

A doutrina oficial da Torre de Vigia compara os desassociados àqueles que a Bíblia chama de “anticristos”. Isto os marginaliza perante os demais, mesmo os parentes consanguíneos. Se um membro da família sai da religião TJ, os demais se tornarão frios com ele, falando apenas o estritamente necessário. Alguns, evidentemente, burlam a diretriz, mas estes não são os “exemplares”, muito menos os “fortes” em sentido espiritual, no meio TJ. Se residirem sob o mesmo teto, haverá algum contato social (bastante limitado). Mas, quando o desassociado ou dissociado mora numa casa separada, ele estará “morto” para sua própria família TJ, e o contato praticamente não existirá mais!

Almoços em família aos domingos, reuniões sociais com parentes, um lanche, um passeio na orla, uma ida ao cinema, nada disso existirá mais naquele núcleo familiar! O verdadeiro massacre emocional oriundo deste pensamento tem feito com que uma parcela significativa dos desassociados retorne à organização, para não serem totalmente alijados do convívio com as pessoas que mais amam. E o objetivo da doutrina é este mesmo, prender as pessoas à seita, impedir a evasão de adeptos e manter o grupo em conformidade total, sob o controle dos líderes – o Corpo Governante do Brooklyn, EUA. Como bem disse Raymond Franz – ex-membro do CG e escritor do livro “Crise de Consciência” “não existe saída honrosa da Torre de Vigia”.

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Raymond Franz (1922-2010), ex-membro do Corpo Governante das Testemunhas de Jeová e autor dos livros Crise de Consciência e Em Busca da Liberdade

Sem dúvida, o preconceito vindo da própria família, bem como o ostracismo orquestrado a que são submetidas estas pessoas, tornam-se a faceta mais repugnante de uma doutrinação religiosa. O sectarismo, o exclusivismo e o fundamentalismo são conceitos presentes no cerne da desassociação. Sem falar na forma como as pessoas são expulsas da Torre de Vigia, por meio de tribunais eclesiásticos a portas fechadas, semelhantes aos tribunais de exceção e às sessões do medieval Tribunal do Santo Ofício. A diferença é que, na Inquisição católica, a religião tinha o poder temporal, concedido pelo Estado, para condenar seus desafetos e “hereges” à morte literal. Impedidos de fazer isso, os tribunais modernos das Testemunhas de Jeová condenam seus réus à morte social, uma prática inconcebível em pleno século XXI.

Tenhamos em mente, porém, que a esmagadora maioria das TJ age desta forma por acreditar na validade e na pureza do ensino que lhe foi passado. São também vítimas daquele sistema enganoso, e o perpetuam através do intensivo trabalho de proselitismo, segundo o treinamento que recebem.

Felizmente, a escalada da informação nos dias atuais tem livrado muitos deste engodo. Quanto mais o público em geral for informado, mais enxergará além da superfície e da aparência cordial daquelas pessoas simpáticas que batem à sua porta regularmente. Só assim poderão, de fato, proteger a si mesmas e a suas famílias dos terríveis efeitos da desassociação.

"Não existe saída honrosa da Torre de Vigia."

Raymond Franz

Declaração Universal dos Direitos Humanos

Direitos humanos são os direitos e liberdades básicas de todos os seres humanos. Seu conceito também está ligado com a ideia de liberdade de pensamento, de expressão, e a igualdade perante a lei.

A ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que é respeitada mundialmente.

Artigo 18º
Toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.

Assista na íntegra os vídeos "Há base para desassociação?"

Playlist

3 Videos

Autor

Paulo Sávio
Carioca, formado em Odontologia, tem dois
Filhos, foi Testemunha de Jeová por quase 20
anos, metade dos quais serviu como ancião
congregacional. Dissociou-se por questão de
consciência e passou a produzir dezenas de
vídeos expondo suas descobertas acerca da
Torre de Vigia e sua liderança, no canal do
YouTube que leva seu nome.

Comentários (2)

  1. Responder
    Americo says:

    Tudo verdade, um que dizia ser meu melhor amigo, foi o primeiro a me trair. Foi falar com os anciãos, que em poucas horas, estavam batendo a minha porta perguntado se eu ainda era Testemunha de Jeová. Foi um lindo retrato que me fez rir muito, que grandes amigos “MEU DEUS”!

  2. Responder
    lola says:

    Asi me pasó a mi. Le comenté a una amiga de la congregacion, y de inmediato me traicionó, habló con los ancianos y a la semana me llamaron, me hicieron un discurso por apostasía y me censuraron los muy canijos. Pero gracias a ese noble gesto de mi “amiga” me salí de la secta destruye familia, junto con mi hija y mis 2 nietos.

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